INTRODUÇÃO:
O
Planejamento Familiar teve seu reconhecimento mundial como direito humano
básico a partir da Primeira Conferência Internacional Sobre Direitos Humanos,
realizada no ano de 1968, em Teerã. Foi caracterizado como ação de saúde
pública na Declaração de Alma-Ata em 1979, resultado das mudanças
comportamentais da população frente ao exercício da sexualidade, surgida da
chamada revolução sexual, que desvinculou a função sexual da atividade
reprodutiva. Práticas e atitudes, frente a este exercício de sexualidade,
impuseram a colocação de métodos à disposição dos indivíduos e/ou casais, a
oportunidade de decisão sobre o número e o espaçamento dos filhos, legitimando
a realização dos seus desejos sexuais.
Todo um
acervo documental de antecedentes universais compõe preceitos que viabilizam
aos profissionais de saúde, investigadores e indústrias uma constante atuação
no desenvolvimento de novas tecnologias na assistência à concepção e
anticoncepção.
Dentro
deste contexto, na resposta a situações específicas, desenvolveu-se a
anticoncepção de emergência, de extensa sinonímia (pílula pós-coital, pílula do
dia seguinte, intercepção, etc.), que constitui uma metodologia anticonceptiva
alternativa, de caráter excepcional, cuja utilização deve ser resguardada a
situações especiais.
HISTÓRICO:
De
cronologia pouco precisa, os princípios da anticoncepção de emergência datam,
sem dúvida, de alguns séculos antes de Cristo, quando aparecem as primeiras
indicações do conhecimento da responsabilidade do conteúdo da ejaculação com a
procriação. A literatura antiga descreve vários procedimentos, de uso
pós-coital, com a finalidade de prevenir a concepção, especialmente a
movimentação pós-coital da mulher e o uso de substâncias com possíveis
propriedades espermaticidas.
Os
Hebreus sugeriam que, logo após o intercurso sexual, as mulheres teriam que
adotar a posição supina, praticar corridas fazendo movimentos bruscos, no
sentido de eliminar o ejaculado e evitar a gravidez. Lucrecius (Roma 98 a 55
antes de Cristo) indicava que a imediata retirada das prostitutas da cama
evitava a ocorrência de gestação nessas mulheres. Soranos (Ephesus 99 a 138
depois de Cristo), considerado um dos melhores ginecologistas da antiguidade,
sugeria exercícios específicos pós-coital para garantir a ausência do ejaculado
no útero.
Várias
outras sugestões como as de Rhazes (Século 9), de Avicenna (980 a 1037) e de
Saint Thomas de Aquino (1225 a 1274) descrevem procedimentos com finalidade
concepcional ou anticoncepcional, em alguns casos com adição de princípios de
magia ou superstições.
A
primeira fórmula idealizada para anticoncepção pós-coital encontra-se em Papiro
Egípcio - O Ebers, datado de 1550 antes de Cristo, que consistia no uso de uma
combinação de vinho, alho e fel, aplicada logo após o coito, em forma de ducha
vaginal, que apresentaria melhor performance, se antecedida de fumigação
pré-coital com cera e carvão. No mesmo período, na índia, injeções pós-coitais
com água quente, associadas ou não a outras substâncias, eram indicadas com as
mesmas finalidades. As duchas vaginais tiveram grande divulgação a partir do
século 17, incluindo o desenvolvimento de diversos aparelhos com esta
finalidade. Coube a Charles Knowlton (1800 a 1850) a grande popularização desta
metodologia que, até o presente momento, tem uso em algumas comunidades.
Através
dos anos, várias substâncias foram recomendadas com finalidade anticonceptiva
pós-coital, bem como vários dispositivos foram desenvolvidos para duchas
vaginais. Rozenbaum (1985) refere o primeiro estudo científico, realizado nos
Estados Unidos da América, em 1939, demonstrando incidência de 36 gestações por
100 usuárias/ano, com o uso deste método.
As
primeiras referências ao uso de esteróides sexuais na prevenção da gravidez no
pós-coito descrevem-se na década de trinta, em animais, e, apenas a partir de
1963, Morris e Wagenen anunciaram o uso de 50 mg de dietilestilbestrol por
quatro a seis dias após o intercurso sexual, o que constituiu o início da
anticoncepção hormonal de emergência, embora esta droga tenha sido banida já
algum tempo do arsenal.
Desde
então, diversas substâncias, esteróides e não esteróides, têm sido descritas
para prevenção pós-coital da gravidez, bem como a possibilidade da inserção
pós-coital do dispositivo intra-uterino como metodologia aceitável e eficaz.
MARCO
CONCEITUAL:
No
Brasil, estimamos que mais de dez milhões de mulheres estão expostas à gravidez
indesejada, seja por uso inadequado dos métodos anticoncepcionais ou por falta
de conhecimento e acesso aos mesmos. Embora, ao compararmos a prevalência de
uso de anticonceptivos, possamos alinhar-nos com os países desenvolvidos,
quando realizamos uma análise qualitativa colocamo-nos bem próximos aos países
subdesenvolvidos, nos quais estes indicadores causam profundas preocupações.
Alguns trabalhos demonstram que até 40% das mulheres que usam métodos
anticonceptivos para os quais apresentam inadequações e, embora não sendo regra
geral, não apresentariam diferenças significativas se os obtivessem através de
prescrição médica ou não.
Os
critérios de risco reprodutivo estão sobejamente divulgados e, muitas vezes,
são extemporâneos, podendo ser otimizados em relação ao planejamento de uma
gestação em período mais indicado e com menores riscos. Estimamos que 25% das
gestações são indesejadas e, destas, 50% terminam em abortamentos provocados.
Apenas o Sistema Único de Saúde - SUS (1995) atendeu 266.709 casos de curetagem
pós-aborto, constituindo a quinta causa de internação na área específica, que
contribui com aproximadamente 9% das mortes maternas e 25% dos casos de
esterilidade de causa tubária.
É
razoável pensarmos que grande número das gestações indesejadas decorrem da
falha específica, ou mais, por uso inadequado do método anticoncepcional, bem
como da ausência de orientação específica da(o) usuária(o) na solução deste
problema. Nos extremos da vida reprodutiva (adolescência e climatério
pré-menopáusico) associam-se às demais causas, barreiras culturais,
comunitárias e médicas, aumentando ainda mais a exposição destes grupos a uma
gravidez indesejada.
Portanto,
dentro deste contexto, acreditamos ser a anticoncepção de emergência
encaminhada de maneira adequada, dentro dos limites exatos da assistência ao
planejamento familiar, no âmbito das ações básicas específicas, metodologia
apropriada para situações especiais de assistência à anticoncepção.
INDICAÇÕES:
A própria
conceituação caracteriza a anticoncepção de emergência como procedimento de
caráter excepcional.
As
indicações principais estão pendentes a estas características e podem
resumir-se em:
1. Relação
sexual não planejada e desprotegida (comuns em adolescentes).
2. Uso
inadequado de métodos anticoncepcionais.
3. Falha
anticonceptiva presumida.
4. Violência
sexual (estupro).
À
semelhança de qualquer metodologia anticonceptiva, o procedimento deve ser
precedido de avaliação quanto a riscos e benefícios, resguardando-se as
contra-indicações específicas de cada método e/ou droga, bem como o criterioso
respeito à opção da usuária.
Embora
não tenhamos no País uma definição ético-legal sobre a anticoncepção de
emergência, vasta divulgação na literatura nacional e internacional tem
permitido a alguns serviços e/ou profissionais de saúde a sua aplicação e tendo
em vista a importância e oportunidade do momento, urge uma definição oficial.
MECANISMO
DE AÇÃO:
A
anticoncepção de emergência pode envolver uma ou mais fases do processo
reprodutivo, interferindo na ovulação, na espermomigração, no
transporte/nutrição (gametas e/ou ovo), na fertilização, na função lútea, e na
implantação. Identificamos claramente uma diferença da metodologia com o
abortamento eletivo já que neste visamos especificamente a interrupção do
processo gestacional, enquanto naquela espera-se alterações da fenomenologia
reprodutiva.
A
ocorrência de uma gravidez depende de uma sequência de eventos que envolvem
todos os complexos mecanismos da endocrinologia reprodutiva masculina e
feminina, dos quais salientamos a ascensão dos espermatozóides pelo sistema
canalicular feminino, a fertilização do ovócito, o ovo transporte e a nidação
endometrial. Na fisiologia normal a fertilização
ocorre na
ampola tubária até aproximadamente 72 horas após o intercurso sexual. Ocorrendo
condições favoráveis à implantação do blastocisto (em média após 3 dias de ovo
transporte), esta ocorrerá em torno do sexto dia do período pós-ovulatório. A
este processo somam-se as trocas materno-ovulares necessárias para sustentação
e evolução da gravidez.
Dixon
calcula que a probabilidade de ocorrência de gravidez, tendo-se como base os
dias da ovulação e do intercurso sexual, varia de 2,5% para o sexto dia que a
antecede, atingindo o máximo de 17,3% no pré-ovulatório imediato e decrescendo
até 0,5% no quarto dia subsequente à ovulação. Rowlands estima um máximo de 30%
de ocorrência de gravidez após relação sexual única no período periovulatório.
A opção
por regimes com uso de estrogênios e/ou progestogênios tem como principais
mecanismos de ação a irrupção temporária na produção hormonal, disfunção luteal
e ação direta dos hormônios exógenos administrados com as consequentes
alterações nos fenómenos biológicos que culminam com a concepção. Esta
inadequação é pendente ao tempo de uso e dose empregada, tendo seus efeitos
verificados na fecundação ou na nidação. Outras substâncias (danazol,
mifepristone, etc.), ademais da possibilidade de atuação com mecanismos
similares aos esteróides sexuais, atuam mais especificamente no mecanismo de
nidação.
Os
dispositivos intra-uterinos, quando inseridos até cinco dias após a relação
sexual desprotegida, também apresentam boa eficácia na prevenção da gravidez
indesejada, tendo sua ação tempo-dependente desde a interferência no transporte
tubário, na capacitação de gametas, na lise de gametas e ovo, até a reação
inflamatória no endométrio que pode impedir a nidação.
EFICÁCIA:
O risco
de gravidez para cada relação sexual não protegida varia de 0 a 26%, dependendo
do período da deposição ejaculatória com relação ao dia da ovulação. Este risco
é alto nos três dias que antecedem a ovulação, no dia da ovulação e no primeiro
dia subsequente, chegando, nestes períodos, a variáveis de 15 a 26% de taxa de
gravidez por cada exposição.
A análise
de vários estudos sobre anticoncepção de emergência, com uso de anticonceptivos
hormonais em dose aguda, aponta para uma redução de incidência de gravidez em
torno de 75% sobre o risco calculado. Os resultados obtidos com Danazol são
similares e com o uso de progestogênio isolado tem menor eficácia.
Um grande
número de estudos credita uma alta eficácia na prevenção da gravidez quando da
inserção do dispositivo intra-uterino em período pós-coital, que parece não
apresentar diferenças de resultado pendentes ao período ovulatório, mas do
tempo decorrido até o procedimento (inserções após o décimo dia).
PROCEDIMENTOS:
Baseados
na fisiologia da reprodução e nos princípios da anticoncepção de emergência,
alguns critérios devem ser estabelecidos para o uso desta metodologia, quais
sejam:
1. Deve
ser estabelecido até 72 horas após o coito desprotegido.
2. Deve
ser procedimento de exceção pois a habitualidade pode estabelecer graves
consequências às usuárias.
3. Deve
ter ampla divulgação, de garantido acesso, tendo em vista o caráter
emergencial.
4. A
eficácia é tanto maior quanto mais precoce estabelecer-se o procedimento.
ESTROGÊNIOS
E/OU PROGESTOGÊNIOS:
Vários
esquemas são propostos, embasados em ensaios clínicos, que a pendência de
vários fatores apresentam resultados mais ou menos favoráveis. Os anticonceptivos
hormonais orais, usados em doses mais elevadas, até 72 horas após o coito
desprotegido, parecem constituir a melhor opção na ausência de contra-indicação
ao seu uso. O "Regime de Yuzpe", que consiste na tomada de 100
microgramas de estinilestradiol mais+ 500 microgramas de levonorgestrel,
em duas doses, com intervalo de 12 horas, parece ser o mais adequado e com alta
eficácia.
As
pacientes deste esquema usarão em um dia o equivalente a 6,6 dias de pílula
combinada com doses de levonorgestrel 150 mais+ estinilestradiol 30, quatro
dias de uso da composição levonorgestrel 250 mais+ estinilestradiol 50 ou,
ainda, dois dias de uso das pílulas de altas doses levonorgestrel 500 mais+
estinilestradiol 50. Embora a dose hormonal utilizada nesta metodologia seja
comparativamente alta, a duração do tratamento proposto é bastante curta, o
que, na ausência da habitualidade, minimiza os potenciais efeitos bioquímicos e
fisiopatológicos possíveis. Apesar de existirem poucos estudos específicos
quanto ao uso deste regime farmacológico, estes não demonstraram alterações
significativas quando comparados com o uso regular dos anticonceptivos de
baixas doses ou mesmo quanto ao antigo regime de 5 mg de etinilestradiol por 5
dias (dose de estrogênio 125 vezes maior que a utilizada no esquema de Yuzpe),
especialmente com relação aos fatores de coagulação. Portanto, em pacientes com
baixo risco de tromboembolismo, não existem contra-indicações ou precauções ao
uso deste esquema terapêutico.
Com
relação a pacientes portadoras de sintomas e/ou síndromes de natureza
neurológica (parestesias, enxaquecas severas, vertigens, epilepsia focal,
etc.), por correlação com alguns efeitos colaterais descritos, considera-se o
uso do regime de Yuzpe com precaução.
Na
lactação, as recomendações de restrição ao uso da anticoncepção hormonal
combinada devem ser consideradas com maior rigor, por se tratar do uso de doses
elevadas, em regime agudo, especialmente pela interferência na qualidade e na
quantidade láctea. Em casos excepcionais de uso deste esquema, recomenda-se a
suspensão da lactação direta por 48 horas como prevenção de sangramentos de
supressão que podem ocorrer em lactentes do sexo feminino.
O antigo
regime, com uso de altas doses de estrogênios, apontou, em alguns trabalhos,
para ocorrência mais frequente de gravidez ectópica. Entretanto, com referência
ao regime de Yuzpe, a grande maioria dos relatos não confirma aumento de
incidência desta ocorrência, embora levando-se em conta uma eficácia aproximada
de 75% para o procedimento, deva-se considerar a superioridade dos benefícios e
a vigilância epidemiológica em pacientes sabidamente de riscos para gestação
ectópica.
Uma das
grandes preocupações com este procedimento foi a possibilidade de teratogênese,
tendo em vista a comparação, ainda que frágil, com as pílulas usadas nos anos
setenta que impunham risco relativo de aproximadamente 2%, em relação aos
defeitos genéticos em gestantes que, inadvertidamente, as usaram. O embrião
pré-implantado é marcadamente resistente à teratogenicidade dos agentes
químicos, o que explica a ausência do aumento do risco relativo nas usuárias do
esquema de Yuzpe, dentro dos preceitos já descritos, ou seja, até 72 horas após
o intercurso sexual desprotegido. Por outro lado, considerando-se a eficácia e possibilidade
de gravidez por relação sexual, apenas 2 a 3% das mulheres poderão ter gestação
mantida após o tratamento. O grupo de consenso da Organização Mundial de Saúde
(OMS), baseado em alguns estudos, sugere não ser a teratogênese preocupação
adicional na anticoncepção de emergência.
A
interação medicamentosa deve ser considerada, principalmente nas mulheres que
usam drogas indutoras das enzimas hepáticas, anticonvulsivantes e rifampicina
que necessitariam normalmente de maiores doses de esteróides para alcançarem os
mesmos resultados periféricos. No entanto, quanto à anti-concepção de
emergência, pelo curto período de uso, apenas deve ser resguardada a ação
negativa dos hormônios sobre a droga interativa.
As
contra-indicações comuns ao uso dos anticonceptivos combinados hormonais são,
em sua imensa maioria, cronodependentes, o que efetivamente decresce os
possíveis efeitos ominosos da anticoncepção de emergência, já que pacientes
fumantes, maiores de 35 anos, obesas, hipertensas, etc., serão mais penalizadas
por gestação indesejada, ao eventual uso do esquema de curto prazo.
Em
pacientes com restrições ao uso de estrogênios, 750 microgramas de
levonorgestrel, em duas doses, com intervalos de 24 horas podem ser indicados,
com bons resultados, desde que empregados até oito horas após a relação sexual.
O grande problema, relacionado à utilização do esquema unimedicado com
progestogênio, prende-se às especialidades farmacêuticas em uso comercial no
Brasil, que implicaria na ingestão de grande número de comprimidos de uma só
vez.
A
anticoncepção de emergência com regimes de estrogênios e/ou progestogênios tem
no seu uso contra-indicações e precauções, que são similares ao esquema
habitual, resguardando-se as vantagens pelo curto período de tempo de uso.
As náuseas
e a emese são efeitos colaterais comuns na anticoncepção de emergência com o
regime de Yuzpe, variando, segundo a literatura, entre 20 e 70% dos casos. Esta
incidência pode ser minimizada com a ingestão das doses após as refeições e/ou
uso de antieméticos. É necessário orientar as pacientes quanto à possibilidade
de uso de dose adicional em caso de vómitos com eliminação dos comprimidos.
Outras queixas menos comuns (cefaléia, mastalgia, dores abdominais) são
referidas, mas tendem ao desaparecimento entre um e dois dias após o término da
medicação.
A
anticoncepção de emergência com hormônios provoca antecipação do fluxo
sanguíneo, sendo comum alterações no padrão de sangramento do ciclo tratado. Em
caso de persistência de sangramento anormal, deve ser afastada a possibilidade
de gravidez.
OUTROS
MEDICAMENTOS:
O danazol
é um androgênio sintético que tem sido usado na anticoncepção de emergência,
com similaridade ao regime de Yuzpe, na dose de 400 mg, Via Oral, em duas
tomadas a intervalos de 12 horas, iniciadas até 72 horas após a relação sexual
não protegida. Outros estudos descrevem regimes com doses maiores, que
concursam com um aumento considerável de efeitos colaterais, o que inviabiliza
estas proposições.
Ao
considerarmos que a anticoncepção de emergência é conduta de exceção, drogas
como o danazol ou similares, têm seu uso extremamente limitado no Brasil, tendo
em vista o alto custo que fatalmente será imposto pelas especialidades
farmacêuticas e apresentações comercializadas.
O
mifepristone (RU 486), substância antiprogestínica que compete com a
progesterona em nível de receptores, amplamente divulgado como provável opção
para anticoncepção de emergência, com uso em dose única de 600 mg, ingerido até
72 horas após o intercurso desprotegido, tem apresentado, em alguns estudos,
resultados razoáveis. Esta dose é a mesma usada em associação com
prostaglandinas, com intuito de provocar o abortamento precoce, mas apresenta
efeitos colaterais importantes. Por considerar esta dose alta, a O. M. S.
acompanha neste momento estudos com doses menores de mifepristone. O
mifepristone (RU 486) não tem registro no Brasil.
DISPOSITIVO
INTRA-UTERINO, — DIU:
O DIU tem
sua inserção recomendada preferencialmente para o período pós-menstrual
imediato; no entanto, pode ser colocado em qualquer época do ciclo menstrual,
afastada a gravidez.
Na
anticoncepção de emergência, em particular os DIU's com cobre, são muito
eficazes, desde que inseridos até o quinto dia pós-coital. As
contra-indicações, efeitos colaterais e as precauções são comparáveis às outras
indicações do uso do DIU; entretanto, é importante salientar que as pacientes
que necessitam de anticoncepção de emergência, frequentemente não se enquadram
nas melhores indicações deste método (adolescentes, risco elevado de DST,
etc.). Ademais, as possibilidades de acesso a serviços que possam atender em
situação emergencial com a colocação do DIU são restritas.
Alguns
autores associam o uso dos DIU's, com a finalidade da prática de anticoncepção
de emergência, assim como nos casos de inserção fora do pós-menstruo imediato
por outros motivos, com maiores taxas de descontinuidade (razões pessoais,
expulsões, menor eficácia, etc.).
CONSIDERAÇÕES:
De acordo
com estimativas (IBGE, 1994 - COMIN, 1996), temos atualmente no Brasil
47.288.700 mulheres na faixa etária de 15 a 49 anos (idade fértil - OMS) e
8.508.500 adolescentes de 10 a 14 anos. Ao compararmos a prevalência do uso de
anticoncepcional, de acordo com últimos dados disponíveis, nos últimos dez
anos, tivemos um incremento de 65,8% (1986) para 76,2% (1996) com relação às
mulheres reunidas em idade fértil, o que nos coloca como um dos países de maior
prevalência em uso de métodos anticonceptivos. Por outro lado, podemos
verificar, na mesma pesquisa, uma taxa de risco gestacional de 45% (nascimentos
em mães menor que 18 anos, maior que 35 anos, com quatro ou mais filhos e/ou
intervalos intergestacionais menores que dois anos), o que demonstra, numa
análise simplificada, uma distorção na assistência à saúde reprodutiva, que
sabemos multifatorial, mas aponta para adoção de medidas e atividades
específicas para estes grupos de risco.
Estamos,
no momento, convivendo com taxas globais de fecundidade, no Brasil, rapidamente
decrescentes, menos acentuadas nas taxas de fecundidade proporcional de 35 a 49
anos e crescentes com referência aos grupos etários de 10 a 14 anos e de 15a 19
anos. Esta inversão nas taxas de fecundidade específicas acompanha-se de um
aumento do número de gestações indesejadas e, consequentemente, do aumento dos
casos de abortamentos nestes grupos populacionais, com sequelas provenientes
destes fatos.
É, neste
contexto, que a anticoncepção de emergência apresenta-se como uma das soluções
desta situação, especial
mente por
estes grupos serem os mais suscetíveis às gestações indesejadas. Ainda que esta
metodologia seja conhecida, sua utilização, em todos os níveis de assistência
(pública, privada, etc.), ainda é bastante restrita, pela pouca difusão entre
os profissionais de saúde e potenciais usuárias.
Tendo em
vista a simplicidade, acessibilidade, eficácia e segurança do regime de Yuzpe,
achamos ser esta metodologia a mais adequada para difusão junto aos
profissionais de saúde, acompanhada de adequada informação junto às usuárias.
A
anticoncepção de emergência, assim contextualizada, constitui uma situação
especial de uso dos anticoncepcionais hormonais orais já registrados e
comercializados no Brasil, portanto aprovados, ainda que seja importante
enfatizarmos a inconveniência da habitualidade do uso da metodologia.
Recomendamos,
como esquema preferencial, o anticonceptivo hormonal oral monofásico, na dose
de 100 microgramas de etinilestradiol mais+ 500 microgramas de levonorgestrel,
duas doses iguais, com intervalo de 12 horas, iniciadas até 72 horas após o
intercurso sexual desprotegido.
Na
dificuldade de uso destas doses, usamos 450 mg de levonorgestrel mais+ 90 mg de
etinilestradiol (três comprimidos das associações 150/30), duas doses iguais,
com intervalo de 12 horas, iniciadas até 72 horas após a relação sexual
desprotegida.
Ainda que
por similaridade pudéssemos inferir que os anticonceptivos hormonais orais
combinados, cujo progestogênio seja diferente do levonorgestrel, teriam as
mesmas indicações, os dados da literatura mundial não permitem afirmações
quanto à eficácia, tolerabilidade e segurança nestas alternativas.
A
disponibilidade de metodologias e métodos anticoncepcionais modernos e
eficazes, além da necessidade de procedimentos emergenciais na assistência
específica à anticoncepção, justificam estes procedimentos, marcadamente diante
de relações sexuais não planejadas (incluindo-se a violência sexual) e na falha
anticoncepcional presumida.
A vasta
literatura disponível fornece embasamento técnico-científico para a efetiva
introdução desta tecnologia nas publicações oficiais da FEBRASGO, na
normalização do Ministério da Saúde e em todos os materiais educacionais e/ou
instrucionais para o planejamento familiar.
CONCLUSÕES:
1. A
anticoncepção de emergência é uma metodologia alternativa e de caráter
excepcional.
2. Este
procedimento deve ser ampla e adequadamente divulgado junto aos profissionais
de saúde, bem como no material educativo e/ou instrucional para planejamento
familiar.
3. Entre
todos os procedimentos descritos, o anticonceptivo hormonal oral combinado
monofásico na dose de 200 microgramas de etinilestradiol e 1.000 microgramas de
levonorgestrel, divididos em duas doses iguais, com intervalo de 12 horas,
iniciado até 72 horas após o intercurso sexual desprotegido (método de Yuzpe),
deve ser preferentemente recomendado.
4. A
disseminação da informação sobre anticoncepção de emergência de maneira
adequada constitui uma importante estratégia na diminuição da incidência da
gravidez indesejada, consequentemente do abortamento provocado.
5. Devem ser promovidas e estimuladas
pesquisas operacionais sobre o tema, com finalidade de determinar-se melhores
condições de acessibilidade e disponibilidade à população.