sexta-feira, 9 de agosto de 2013

CONTRACEPÇÃO - ESTERILIZAÇÃO CIRURGICA VOLUNTARIA

INTRODUÇÃO:

A cirurgia realizada nas trompas, como forma de se conseguir a anticoncepção, foi descrita pela primeira vez em 1834, por Van Blundell, em Londres. Naquela época qualquer laparotomia era sinónimo de cirurgia de grande porte e, consequentemente, atingia um elevado índice de mortalidade.
Recamier, na França, utilizou uma segunda via, a transvaginal, através de uma colpotomia, o que estimulou Duharseen, na Alemanha, a descrevê-la como via preferencial para realização do método. Estabeleciam-se, assim, duas vias de abordagem abdominal, cada uma constituindo-se, de maneira independente porém comum, para a difusão do ato cirúrgico com fins anticonceptivos. No entanto o método só passou a ser difundido um século depois, ganhando credibilidade a partir da década de 50.
Reconhecidos cirurgiões, em diferentes países, conseguiram idealizar técnicas visando a atingir um menor número de complicações e maiores índices de eficácia, com mais segurança para a usuária, melhorando assim a receptividade do método.
Cresceram as populações e com elas a preocupação médica de se obterem novos métodos de planejamento familiar. Connel afirmava que o vertiginoso crescimento das populações era o problema mais angustiante na medicina, fato hoje ainda observado na maior parte do mundo, especificamente entre os povos subdesenvolvidos. Portanto, podemos afirmar que a anticoncepção cirúrgica voluntária feminina é um método de planejamento familiar com crescente aceitação.
Entretanto, como procedimento eletivo, sua prática depende da qualidade dos serviços oferecidos. Infelizmente isto não éo que ocorre no Brasil, principalmente nas zonas rurais, nas quais, em geral, não se dispõem de pessoal treinado e de infra-estrutura adequada para um bom serviço de planejamento familiar.
O aumento do número de clínicas, um maior número de profissionais interessados no tema, uma melhor compreensão por parte dos casais em relação ao método, a simplificação do ato cirúrgico e a queda de algumas barreiras legais, culturais e religiosas condicionaram, sem dúvida, uma maior aceitação do método.
A eficácia e um mínimo de complicações conferem a anticoncepção cirúrgica voluntária feminina, quando bem indicada, a segurança desejada pelos casais.

ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS:

No Brasil, nas últimas décadas, tem sido crescente o número de mulheres esterilizadas. Comparando-se a prevalência anticonceptiva no nosso país, pode-se afirmar que, em períodos
compatíveis, alinha-se em percentuais aos países desenvolvidos, ocupando o terceiro lugar no uso de métodos anticoncepcionais por mulheres em idade fértil (15 a 49 anos); 76,7% de todas as mulheres unidas nesta faixa etária visam a algum método anticonceptivo (1996). No entanto, em análise qualitativa, constatam-se níveis comparáveis aos países subdesenvolvidos, já que 40% delas estão esterilizadas, 20,7% usam anticonceptivos hormonais orais (AHO), 1,1% são usuárias do DIU e 14,8% utilizam outros métodos. Apenas 2,6% dos seus companheiros estão vasectomizados, sendo que 4,4% se adaptam por algum período aos preservativos.
Alguns trabalhos mostram o uso inadequado dos métodos hormonais, nos quais 40% das usuárias apresentam contra-indicações ao método. Apesar de não ser regra geral, nestas observações, a prescrição médica não determinaria diferença significativa. Com relação a anticoncepção cirúrgica, tem-se identificado que até 60% das mulheres submetidas a ligadura tubária apresentam algum grau de arrependimento, assim como, nos últimos dez anos, a idade média para esterilização vem diminuindo: de 31,4 em 1986 para 28,9 em 1996.
No período compreendido entre 1981 e 1990 o número médio de filhos por família caiu de 2,5 para 2,1.
Uma grande preocupação é que a maioria dos procedimentos cirúrgicos é realizada por ocasião do parto (64%), representando um aumento importante nos índices da operação cesariana no país, desde que 60% delas têm aquela motivação. A esterilização feminina, embora não tenha regulamentação bem-definida no Sistema Único de Saúde (SUS), é praticada em 63,4 % dos serviços públicos de saúde.
De acordo com os dados da Pesquisa Nacional sobre saúde Materno-Infantil e Planejamento Familiar realizada pela BEMFAM, em 1986, 27% das mulheres em união, na faixa etária compreendida entre 15 e 44 anos, tinham sido esterilizadas no Brasil.

ASPECTOS ETICO-LEGAIS:

A partir da promulgação da Constituição Federal, no título 7 da ordem social, em seu capítulo 7, artigo 226, parágrafo sétimo, cumpre ao estado propiciar recursos educativos e científicos para o exercício do planejamento familiar como livre decisão do casal e/ou indivíduo, sendo vedada qualquer forma coercitiva por parte das instituições públicas ou privadas.
Recentemente foi sancionada, com vetos, a Lei de número 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e outras providências, que no ensejo de regulamentar a prática do planejamento familiar, através dos vetos aos dispositivos dos artigos 10, 11, parágrafo único do artigo 14 e do artigo 15, constitui no presente momento, embora com dificuldades de interpretação, o instrumento legal que delimita a prática de anticoncepção cirúrgica.
Até recentemente as bases ético-legais da anticoncepção cirúrgica indicavam esta prática associada a indicações médicas, dentro de um conceito de rico reprodutivo, especialmente embasada em:

Código Penal:

Artigo 129: — ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem — pena de detenção de três meses a um ano.
Parágrafo segundo: — se resulta ...
      3: — Perda ou inutilização de membro, sentido ou função: —                pena de detenção de dois a oito anos.
Artigo 132: — expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente — pena de detenção de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.

Código de Ética Médica:

Artigo 43: — Descumprir legislação específica nos casos de transplantes de órgão ou tecidos, aborto ou esterilização.
Artigo 67: — Descumprir o direito do paciente de decidir livremente sobre método contraceptivo ou conceptivo, devendo o médico sempre esclarecer sobre a indicação, a segurança, a reversibilidade e o risco de cada método.

Processo Consulta número 83/90: — Conselho Federal de Medicina (CFM):
     ... A vasectomia e a esterilização tubária são procedimentos cirúrgicos, e como tais, atos médicos invasivos e mutiladores de funções orgânicas, devendo portanto ter sua indicação fundamentada exclusivamente em aspectos clínicos. Além do mais, por seu caráter definitivo, deve ter sua indicação restrita, como último recurso terapêutico e não como procedimento de rotina ou de primeira escolha ...

Na atualidade, há necessidade imperiosa na determinação de instrumentos para prática da anticoncepção cirúrgica, compatibilizando-se todo acervo preexistente com a Lei 2.263/96, que se refere nos seus dispositivos no capítulo 2: — dos crimes e penalidades, aos parágrafos primeiro e segundo do artigo 29 do decreto:—Lei número 2.848/1940 do código penal, na lei número 2.889/1956 e nos artigos 159, 1.518 e 1.521 e seu parágrafo único do Código Civil, combinados com o artigo 63 do Código do Processo Penal; ainda no capítulo 3: — das disposições finais, — refere-se subsidiariamente o decreto-lei número 2.040/1940 do Código Penal, nos artigos 29 e parágrafos primeiro  e segundo, artigo 43 caput e incisos 1, 2 e 3; artigo 46, caput e parágrafo único; artigo 47 caput e incisos 1, 2 e 3; artigo 48, caput e parágrafo único; artigo 49, caput e parágrafos 1:- e 2; artigo 50, caput, parágrafo primeiro e alíneas do parágrafo segundo, artigo 51, caput e parágrafos primeiro e segundo; artigo 52; artigo 129, caput e parágrafo primeiro, incisos 1, 2 e 3, parágrafo segundo, incisos 1, 2 e 3 e terceiro.
Estas considerações imputam a qualquer regulamentação institucional ou individual na prática da anticoncepção cirúrgica, a estrita observância da Lei de número 9.263/96, especialmente no previsto nos artigos 16, 17, 18, 19, 20 e 21 que, resumidamente, exigem a notificação compulsória, proíbem a indução dolosa, responsabilizam os gestores institucionais quanto a esterilização, entendendo-se, por interpretação, que esta prática está restrita a critérios médicos com enfoque de risco reprodutivo.

INDICAÇÕES:

Todas as candidatas selecionadas para a anticoncepção cirúrgica voluntária devem ser submetidas, obrigatoriamente, ao estudo da cérvice uterina e avaliadas se estão em condições de saúde física e emocional. São informadas da irreversibilidade do método, como também das remotas possibilidades de complicações que, de modo geral, são de menor gravidade.
A avaliação clínica pré-operatória fundamenta-se, basicamente, na história médica e no exame físico, com alguns exames complementares que podem variar de acordo com o caráter individual da mulher. No momento atual, além dos exames rotineiros pré-operatórios, solicitamos uma ultra-sonografia pélvica, pela possibilidade de detectar uma patologia que não tenha sido diagnosticada por ocasião do exame físico, evitando, desta maneira, algumas possíveis complicações.
O arrependimento posterior por parte da mulher ocorre, quase sempre, quando ela não é bem orientada em relação a irreversibilidade do método e, quando o procedimento cirúrgico é realizado em circunstâncias, tais como: instabilidade emocional, pós-parto imediato, troca de parceiro recente, idade abaixo dos 30 anos e desconhecimento das opções anticonceptivas reversíveis.
Quando indicar ou aceitar, com fins anticonceptivos, o ato cirúrgico voluntário?
No nosso país, cujas estatísticas oficiais demonstram elevadas as taxas de realização do método, como também temos conhecimento de sua grande aceitação por parte das mulheres, estas condições fazem com que reflitamos sobre o assunto.
Nos serviços universitários, de um modo geral, a indicação do método restringe-se às mulheres com mais de 30 anos de idade e com prole definida, quando por ocasião de uma cirurgia tocoginecológica ou em portadoras de patologias que contra-indicam uma gestação. Nesta última, após ser aprovada pela comissão de ética da disciplina. Na clínica privada, a consciência de cada profissional comanda as indicações. De modo geral é realizada sem grandes problemas quando solicitada pela mulher com a anuência do parceiro. Nos poucos serviços de Planejamento Familiar (PF) existentes no Brasil vários critérios são determinados para a utilização do método. No Instituto de Reprodução Humana de Pernambuco (IRHPE), serviço de Planejamento Familiar sem fins lucrativos, não mais funcionando por falta de verbas, no período de 1984 a 1989, utilizavam-se os seguintes índices de aprovação:
Primeiro:) idade mais+ número de gestações mais+ número de filhos vivos com mais de um ano mais+ tempo de vida sexual com o último parceiro mais+ classificação económica maior ou igual que 45;
Segundo:) idade versus número de filhos vivos maior ou igual a 90;
Terceiro:) mulheres com  35 anos ou mais de idade (independente dos anteriores);
Quarto:) idade versus número de filhos com mais de um ano maior ou igual a  70.
OBS.: Exceção para determinadas patologias e, ainda, os casos especiais.

No Brasil, as mulheres que pertencem a baixa classe socioeconômica são as que têm maior prole e, consequentemente, as que mais necessitam do método. Porém, a grande maioria não tem acesso aos serviços.
Apesar da proposição ser antiga, acreditamos firmemente que a criação de novos serviços de Planejamento Familiar daria maior oportunidade para os casais de baixa renda. Eles poderiam planificar suas famílias e, quando bem indicada pelo profissional de saúde e aceita pelo casal, a anticoncepção cirúrgica ser realizada. Diante destes fatos, urge a normatização desta prática no nosso meio.

MOMENTO DO ATO CIRÚRGICO:

1.    Por ocasião da operação cesariana:
Não indicamos a cesariana com fins de anticoncepção, a não ser em casos de elevado risco gestacional.
2.    No pós-parto:
Imediato: é realizado na região periumbilical, pela técnica de Sauter.
Tardio: pratica-se o método através de uma minilaparotomia até alguns dias pós-parto.
3.    Cirurgia eletiva:
Via Abdominal: pelos vários métodos que serão analisados
ulteriormente.
Via Vaginal
 4.    Anterior: — por ocasião de uma cirurgia para cura de cistocele.
 5.    Posterior: — em geral, realizando-se a fimbriectomia.
 6.    Em qualquer outro período.
Utilizamos sempre a minilaparotomia ou a laparoscopia.

MÉTODOS: — VIAS DE ACESSO:

São os seguintes que podem ser utilizados:
 1.    Laparotomia.
 2.    Minilaparotomia.
 3.    Laparoscopia.
 4.    Colpotomia.
 5.    Culdoscopia (excepcionalmente).
 6.    Histeroscopia.

Laparotomia: Não vemos qualquer razão em realizá-la, unicamente, com fins anticonceptivos.

Minilaparotomia: (Osathananch -1973). Após o esvaziamento vesical é realizada uma incisão transversa suprapúbica, não maior do que 3 cm, com a mulher na posição ginecológica, em Trendelenburg e os joelhos situados na mesma altura do abdome. A cirurgia é precedida da colocação intracervical da alavanca de Vitoon, que tem as funções de elevar e orientar o útero.
Pode ser realizada sob anestesia local, apesar de assim não procedermos. Nas puérperas, até 36 horas após o parto, utilizamos a via infra-umbilical com a mulher em decúbito dorsal.

Laparoscopia: Procede-se como qualquer outra indicação do método, utilizando-se a via transumbilical. A obstrução tubária pode ser conseguida através da eletrocoagulação bipolar. Com a descarga elétrica, realizando-se duas queimaduras, consegue-se a ruptura da tuba com total separação dos cotos.
A segunda modalidade, a qual merece nossa preferência, é caracterizada pela inserção do anel de silástico de Yoon na porção ístmica-ampolar da trompa.
Uma terceira opção é realizada à custa da fixação de um grampo de metal (clipe de Hulka), formado por duas pequenas mandíbulas serrilhadas, obedecendo-se os mesmos critérios da anterior. Para o pneumoperitônio utilizamos o dióxido de carbono (C'O'2) ou o óxido nitroso (N2O).
A anestesia empregada, na quase-totalidade dos casos, é a local seguida de sedação sob controle do anestesiologista.
Este método muito deve a Anderson, (Estados Unidos da América-1937), a Palmer (França-1960) e a Steptoe (Reino Unido-1967).
A laparoscopia juntamente com a minilaparotomia são os dois métodos que mais utilizamos com fins anticoncepcionais.

Colpotomia: Este método pode ser utilizado quando a mulher é submetida a um procedimento cirúrgico pela via vaginal.
Anterior (Purandare, 1943): — na cura cirúrgica de cístocele em posição ginecológica de Fowler suspende-se a bexiga até a prega peritoneal (espaço vesicouterino) abrindo-se o peritônio e realizando-se a oclusão tubária pelas técnicas mais convencionais.
Posterior (Duhrssen-1895): — de um modo geral, por esta via, realiza-se a fimbriectomia.
Culdoscopia. Técnica desenvolvida por Decker, em 1942, que consiste na introdução do culdoscópio através de uma incisão no fundo-de-saco de Douglas, com a mulher em posição genupeitoral.
Na prática, em geral, não é mais realizada.

Histeroscopia: Desde o início da década de 70 vem-se realizando a oclusão dos óstios tubários, pela via transcervical, através da inserção de um eletrodo que recebe uma corrente de coagulação, procedendo-se antes a distensão da cavidade uterina. Eventualmente necessita-se de mais sessões para se obter a obliteração total das trompas. Cita-se também a utilização de soluções cáusticas com agentes químicos, como a quinacrina e o fenol. Porém, temos que destacar os seus efeitos nocivos, os quais tornam a técnica desaconselhável. Mais recentemente a escola francesa tem estimulado através deste método, visando à reversibilidade, a colocação de um artefato de silicone ocluindo os óstios tubários, que pode ser retirado a qualquer momento. No Brasil, poucos profissionais têm experiência com a técnica. Todas elas, por este método, requerem mais estudos para serem estabelecidas as consequências a longo prazo.
A preferência do método pode ser influenciada por vários fatores, entre os quais, a experiência e o grau de treinamento do profissional e ainda o momento do ato cirúrgico.

Salpingectomia:

Não vemos razão alguma em realizarmos a salpingectomia bilateral com fins anticonceptivos. Pelo contrário, com esse procedimento iremos lesar, de uma forma importante, o sistema vascular, determinando uma disfunção ovariana.

Ovariopexia:

Método em desuso, vale pela citação.

Histerectomia:

Algumas considerações tornam-se necessárias:
Entre 1950 e 1970, nos Estados Unidos da América, grupos se dividiram entre a histerectomia e a ligadura tubária como método anticonceptivo. Os primeiros recomendavam a histerectomia baseados no fato de que, após a ligadura tubária, as mulheres apresentavam alta incidência de problemas ginecológicos, terminando, por vezes, na realização ulterior da histerectomia.
Williams estudaram 200 pacientes entre 1926 e 1948, chegando à mesma conclusão. Esses estudos devem ser avaliados com cuidado, tanto pela técnica empregada como pela faixa etária das pacientes que era bastante elevada. Outros estudos mais recentes demonstraram que a histerectomia não deve ser realizada como método cirúrgico na anticoncepção feminina devido às frequentes complicações, quando comparada com os outros métodos.
Em 1982, Dicker  estudaram 1851 mulheres histerectomizadas, no período de 1978 a 1981, sob a orientação do Centro de Controle das Doenças (CDC) de Atlanta-Estados Unidos da América. Apesar do grupo ter sido selecionado, as complicações foram muitas: 42,8%, nas histerectomias abdominais e 24,5%, nas vaginais.
Laros e Work, em dois hospitais universitários americanos, estudando um grupo de mulheres histerectomizadas com fins anticonceptivos, encontraram 40% de problemas.
Bey, em 1993, comparou a morbidade entre os grupos em que foram realizadas ligaduras tubárias através de uma cesariana ou da histerectomia, concluindo não haver diferença significativa entre os dois métodos.
Essas considerações reforçam a nossa opinião de não aceitarmos a histerectomia como método anticonceptivo.
Em casos excepcionais, na presença de alguma patologia uterina associada (mioma, prolapso genital, etc.), podemos indicar a histerectomia como complemento da terapêutica, servindo então como método anticonceptivo.
Em síntese, com a simplificação do método através da laparoscopia e da minilaparotomia, não indicamos qualquer outro processo cirúrgico.

TÉCNICAS EMPREGADAS:

Os objetivos seriam a busca da melhor eficácia (cotos bem afastados, dificultando a possibilidade de uma recanalização espontânea) e os cuidados em não prejudicar a função ovariana (não lesar a vascularização da mesossalpinge).
As técnicas mais empregadas são:
.•    Madlener (1919): consiste no esmagamento e ligadura da porção ístmica-ampolar da tuba, com fio inabsorvível, formando uma alça.
Não atende totalmente ao primeiro objetivo, havendo ainda a possibilidade da formação de uma área de necrose.
.•    Pomeroy (1929): divulgada por Bishop, em 1930, é realizada pela apreensão da tuba proximal, seguida da transfixação do meso, em região praticamente avascular, com fio absorvível e sutura das duas porções da tuba, formando-se uma alça de aproximadamente 6 mm; que é seccionada imediatamente acima da fixação. Como rotina, apreendemos separadamente os dois cotos e os fixamos com fio inabsorvível fino. Com esta técnica os cotos posteriormente ficaram afastados entre si, diminuindo a possibilidade de recanalização espontânea. E técnica ainda mais eficaz que a anterior.
Apesar de só fazermos uso das técnicas acima descritas (são simples e eficazes), passaremos a enfocar, genericamente, algumas outras técnicas que têm os seus seguidores.

.    •Irving (1924): consiste em seccionar o coto proximal da tuba entre duas ligaduras e em seguida sepultá-lo na parede posterior do útero. O coto distal é implantado na mesossalpinge.
.    •Aldridge (1934): tentando obter a esterilização temporária, o autor idealizou a técnica. A porção fímbrica da trompa é sepultada entre folhetos peritoneais do ligamento com fio inabsorvível.
.     •Kroener (1935): divulgada em 1969, consiste na fimbriectomia, que pode ser realizada pelas vias abdominal e vaginal. Para tal procedimento deve ser usado fio inabsorvível. A hidrossalpinge é uma das suas complicações.
.     •Uchida (1961): — técnica ainda mais complexa que a de Irving, tem como principal tempo cirúrgico o sepultamento da porção proximal da tuba no ligamento largo. A fixação é realizada com fio inabsorvível.

COMPLICAÇÕES DA LIGADURA TUBÁRIA:

As complicações variam de acordo com a experiência e o grau de treinamento do profissional, bem como da estrutura dos serviços hospitalares e de Planejamento Familiar. São pouco frequentes e, quando ocorrem, de modo geral, são de discreta gravidade.
Elas ainda podem variar em relação à técnica, ao método e à via de acesso empregados.
Enfocaremos, a seguir, as principais complicações relacionadas a minilaparotomia e a laparoscopia, bem como as que podem ocorrer quando o procedimento é realizado por ocasião de uma cesariana ou no período imediato ao parto vaginal. Estes métodos são responsáveis pela quase-totalidade das ligaduras tubárias.

.•    Minilaparotomia: ratificamos que, em qualquer método, as complicações ocorrem de uma maneira inversa à experiência do médico e à qualidade do serviço.
Como eventuais complicações, cabe-nos assinalar as decorrentes de uma hemorragia (inerentes a qualquer ato cirúrgico); de uma perfuração uterina (na colocação da cânula de Vitoon e, de um modo geral, sem maiores consequências); e de uma lesão vesical (os cuidados com a posição da paciente e o esvaziamento vesical prévio são fundamentais para que isso não ocorra). Infecções pélvicas; a formação de abscesso pélvico é ainda mais rara e com maiores possibilidades de ocorrer por ocasião de uma colpotomia; e lesões de alças intestinais e de epíplon, que são complicações de caráter excepcional.
.    •Laparoscopia: quando ocorrem, em geral, são mais graves do que nos outros métodos utilizados. Os acidentes ocasionados pela punção como hematomas e enfizema subcutâneo; os causados pela introdução do trocarte (lesões de vasos e de intestinos); as queimaduras, advindas da eletrocoagulação; as rupturas da tuba ou do mesossalpinge decorrentes de aderências pélvicas oude manuseio inadequado; e as complicações relacionadas à anestesia. Estas últimas podem ser agravadas pela posição de Trendelenburg e pela introdução do gás, podendo levar até a uma embolia pulmonar.
.    •Transcesariana: a vascularização aumentada com a embebição característica da gravidez promove uma possibilidade de sangramento, como também de lesão da estrutura vascular, prejudicando a circulação ovariana.
É óbvio que a cesariana apresenta complicações inerentes à própria cirurgia e, consequentemente, o fato de se realizar a operação com fins anticonceptivos aumenta, sobremaneira, a morbidade. Apesar de, em algumas situações, ser quase uma imposição da gestante e os conceitos de cada profissional poderem variar, não é coerente concordarmos com esta indicação.
.•    Pós-parto vaginal (operação de Sauter): como citamos anteriormente no pós-parto imediato podemos utilizar este método através de uma incisão transversa subumbilical pela técnica de Pomeroy. De modo geral, as complicações são raras e a indicação dependerá, em muito, da experiência do profissional com esta via de acesso.
No Instituto de Reprodução Humana de Pernambuco (IRHPE), no período de janeiro de 1984 a junho de 1989 foram
realizadas, com fins anticonceptivos, 1.066 minilaparotomias (técnica de Pomeroy) e 388 laparoscopias (anéis de Yoon), totalizando 1.454 procedimentos.
É importante ressaltar que neste período foram treinados em Planejamento Familiar 101 profissionais médicos de Pernambuco e de outros Estados brasileiros. As possibilidades de ocorrerem complicações no treinamento são muito maiores. Foram elas:

Complicações Cirúrgicas:                       Número        % Perfuração uterina:                                   17                 1,16
Lesão vesical:                                            03                  0,2
Esgarçamento das trompas:                     09                  0,6
Embolia pulmonar:                                    01                   0,06
Fasciite necrosante:                                  01                   0,06
 Infecção da ferida cirúrgica                      11                   0,75         

OBS.: Não houve óbito.

índice de Falhas:
Laparoscopia (388)                      Número                        %               Gestação tópica:                           02                                0,52          
Gestação ectópica:                       01                                0,26
                                                                                            0,78        
Minilaparotomia (1.066)               01                                 0,09           

Complicações Anestésicas:
Cefaléia: 39 casos (3,77%)

Nas minilaparotomias foram realizadas 1.034 mini-raques* e 32 mulheres foram submetidas a anestesia local mais+ sedação.
Nas laparoscopias, praticamente todas as mulheres (386) foram submetidas a anestesia local mais+ sedação, enquanto em duas administrou-se o bloqueio peridural.

*O anestesiologista introduz no canal cefalorraquidiano a quantidade de 50 mg (meia ampola) de xilocaína pesada a 5% (hiperbárica) através de uma agulha número 6. As pacientes são bem hidratadas (mais+ 2.000 ml de soro) e permanecem em repouso, "absoluto" no decúbito dorsal, até a alta médica, o que ocorreu, na quase-totalidade dos casos, no mesmo dia, com menos de dez horas.


Síndrome Pós-Ligadura Tubária:

Há algumas décadas, vários estudos têm sido desenvolvidos tentando comprovar ou não a existência da síndrome; o tema permanece controverso. Ressaltem-se algumas condições que podem distorcer os resultados de algumas pesquisas, tais como:
 1.    As pacientes estudadas são de ambulatórios de ginecologia que procuram os serviços exatamente pelas alterações menstruais.
 2.    A anticoncepção cirúrgica realizada em mulheres com mais de 35 anos de idade, período no qual algumas já apresentam sinais de insuficiência ovariana.
 3.    Mulheres em que são realizadas a ligadura tubária e que faziam uso durante muito tempo da anticoncepção hormonal oral combinada.


Porém, a grande maioria dos estudiosos no assunto acredita que as alterações menstruais só ocorrem quando há lesão da vascularização tubo-ovariana.
Na clínica diária a hipermenorréia e a hipermenorragia são mais comumente relatadas quando a anticoncepção cirúrgica é realizada durante a operação cesariana ou no pós-parto vaginal imediato, situações em que os vasos tubáricos estão engurgitados. As disfunções menstruais também são mais observadas nas mulheres que foram submetidas a salpingectomia bilateral, e consequente lesão das artérias tubárias.
Em nossa opinião, a técnica empregada na ligadura e secção das tubas é de capital importância para o problema.
Com os conhecimentos adquiridos sobre a irrigação dos ovários e tubas e procedendo a ligadura tubária sem envolver vasos sanguíneos importantes com uma alça que não ultrapasse os 7 mm, na região ampolar não observamos alterações significativas do ciclo menstrual. Esta também foi a experiência do Instituto de Reprodução Humana de Pernambuco em 1.066 minilaparotomias, nas quais a técnica utilizada foi a de Pomeroy.

CONTRA-INDICAÇÕES:

Em geral, estão restritas à laparoscopia. Elas podem ser divididas em:

Absolutas:
 1.    Patologia pulmonar.
 2.    Patologia cardíaca.
 3.    Obesidade exagerada.
 4.    Múltiplas cirurgias abdominais.
 5.    Hérnia diafragmática.

Relativas:

 1.    Cicatrizes medianas.
 2.    História de doença inflamatória pélvica aguda.
 3.    Hérnias umbilical ou incisional.

É óbvio que variações ocorrem dependendo da experiência, bem como do bom senso profissional, lembrando que nem sempre o procedimento é realizado por um grande especialista.

RECOMENDAÇÕES:

A Comissão Nacional de Reprodução Humana (CNRH) da FEBRASGO, reunida em Brasília (1983) para abordar o tema a "Ligadura Tubária", recomendava nas suas conclusões:
 1.    Substituir por.
 2.    Boa aceitação.
 3.    Complicações excepcionais.
 4.    Método reversível, embora realizado com intenção definitiva.
 5.    Execução simples, recomendando-se a ligadura e secção ao nível do terço proximal.
 6.    Relação benefício-custo favorável.
 7.    Recomendado preparo do casal.
 8.    Recomendada a adoção de formalidades legais.
 9.    A época adequada para execução deve ficar a critério do médico.
 10.    Idade ou tamanho da família são critérios determinados pelo casal.
 11.    Síndrome pós-ligadura é de existência duvidosa.
 12.    Aspectos Éticos: — não há questão de natureza essencialmente ética envolvida na esterilização voluntária.
 13.    As questões levantadas em nome da ética dizem mais diretamente respeito a outros valores culturais.

CONCLUSÕES:

O Comité Nacional de Reavaliação dos Métodos Anticoncepcionais da FEBRASGO promoveu na sua décima-quinta Reunião, realizada em Curitiba (1994) debate sobre assunto "Sequelas da Anticoncepção Cirúrgica", tendo elaborado e divulgado as seguintes conclusões:
 1.    As sequelas da anticoncepção cirúrgica não são frequentes e, quando ocorrem, geralmente são de menor gravidade;
 2.    A Ligadura tubária realizada nos períodos pós-parto (particularmente durante a operação cesariana) e pós-abortamento têm maiores possibilidades de ocasionar complicações e sequelas;
 3.    Não existe indicação para realização da cesariana com a finalidade de se fazer a ligadura tubária;
 4.    A maior parte da literatura médica até o presente momento não nos permite afirmar que ligadura tubária traga como consequências: dor pélvica, irregularidades menstruais e/ou varizes pélvicas (síndrome pós-ligadura);
 5.    A prática médica tem mostrado que um considerável número de mulheres solicita a reversão da anticoncepção cirúrgica. O esclarecimento prévio, a oferta de outras medidas contraceptivas e a realização da esterilização no momento oportuno, minimizam esta possibilidade;
 6.    A anticoncepção cirúrgica deve ser considerada como um método definitivo.

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