sexta-feira, 9 de agosto de 2013

CONTRACEPÇÃO - METODOS COMPORTAMENTAIS


INTRODUÇÃO:

A despeito dos progressos da medicina moderna, a completa abstinência sexual é o único método de planejamento familiar totalmente seguro e completamente eficaz. Há milénios, as pessoas que buscam controlar sua fertilidade utilizam várias formas de abstinência sexual.
A relação entre fertilidade humana e menstruação feminina sempre foi conhecida, mas durante muito tempo foi mal compreendida. Acreditava-se que a ovulação ocorria logo após a menstruação. Somente na década de 30 foi que, em estudos independentes, Ogino, no Japão, e Knaus, na Áustria, comprovaram que a ovulação ocorria entre os períodos de hemorragia menstrual. Os dois pesquisadores demonstraram que, independentemente da duração do ciclo menstrual, a ocorrência da ovulação é relativamente constante com respeito ao início da menstruação seguinte, mas não necessariamente com relação à anterior.
Com base nesses estudos, ambos estabeleceram fórmulas para determinar os dias férteis e inférteis da mulher. Isso marcou o início do "ritmo" como método anticoncepcional válido.
Apesar do desenvolvimento de outros métodos de planejamento familiar seguros e mais eficazes, o uso de métodos comportamentais (Planejamento Familiar Natural; - PFN) é praticado em vários países, embora de forma reduzida. No Brasil, a recente Pesquisa Nacional Sobre Demografia e Saúde (BEMFAM, 1996) revelou que a abstinência periódica é conhecida por 85,2% das mulheres e 66,2% dos homens. De acordo com esta pesquisa, 55,4% das mulheres e 60,4% dos homens estavam em uso atual de algum método contraceptivo. Destes, somente 2% das mulheres e 2,1% dos homens relataram uso de abstinência periódica, especialmente a partir dos 25 anos de idade.

DEFINIÇÃO:

A Organização Mundial de Saúde - OMS (1993) - define Planejamento Familiar Natural como um grupo de métodos para planejar ou evitar gravidez, que se utilizam da observação de sinais e sintomas que ocorrem naturalmente nos períodos fértil e infértil do ciclo menstrual. É também conhecido como abstinência periódica, ritmo ou período de segurança. O termo Planejamento Familiar Natural é questionado, em virtude de serem métodos que proscrevem o sexo na fase em que fisiológica e psicologicamente a mulher está mais interessada no intercurso sexual. Apesar disso, é o termo adotado pela OMS e também pelo Ministério da Saúde (1996). Nossa preferência é pela denominação de métodos Comportamentais ou métodos de abstinência periódica.
Os sistemas utilizados para determinar o período fértil do ciclo menstrual são baseados no:
 1.    Conhecimento científico sobre a estrutura e o funcionamento dos sistemas reprodutivos feminino e masculino.
 2.    Reconhecimento dos sinais e sintomas que ocorrem naturalmente durante o ciclo menstrual.

O homem é potencialmente fértil desde o início da produção de espermatozóides, na puberdade, até aproximadamente os 70 anos de idade. A capacidade fertilizante dos espermatozóides pode ser mantida por três a cinco dias no trato reprodutivo feminino. A duração da sobrevida dos espermatozóides, bem como sua capacidade de fertilização, depende principalmente da qualidade do muco cervical produzido quando o sémen é ejaculado na vagina. Contrariamente, a mulher tem fertilidade cíclica. O ciclo menstrual apresenta três fases: a primeira fase é relativamente infértil, antes da ovulação, quando a gravidez é pouco provável; a fase fértil, durante e imediatamente após a ovulação, e a fase infértil que se segue à ovulação. Em cada ciclo menstrual a mulher libera um óvulo, que tem uma vida fertilizável de 10 a 24 horas.
Os principais sinais e sintomas relacionados com a fertilidade da mulher são as alterações no muco cervical e na temperatura basal corporal. A mulher não pode usar estes sinais para determinar o dia exato em que está ovulando; entretanto, observando, registrando e interpretando corretamente as alterações, pode identificar a fase inicial relativamente estéril, a fase fértil e a fase infértil tardia. É a observação e o registro destes fenómenos que fornecem a base fisiológica para a moderna abordagem ao Planejamento Familiar Natural. Nisto diferem fundamentalmente da antiga abordagem, baseada no provável período ovulatório somente com base na duração dos ciclos anteriores (método do calendário).
Os métodos de Planejamento Familiar Natural de uso corrente são: o método do calendário, o método da temperatura basal, o método do muco cervical e o método sintotérmico.

MÉTODO DO CALENDÁRIO OU OGINO-KNAUS:

Baseia-se no fato de que a maioria das mulheres ovula ou produz um óvulo maduro 11 a 16 dias antes de cada menstruação, independentemente da duração de seus ciclos menstruais.
Para usar este método é necessário conhecer a duração de 6 a 12 ciclos menstruais anteriores, e supor que os próximos ciclos serão semelhantes. A fase fértil é obtida da seguinte forma:
 1.    Subtraindo 18 da duração do ciclo mais curto obtém-se o primeiro dia da fase fértil.
 2.    Subtraindo 11 da duração do ciclo mais longo obtém-se o último dia da fase fértil.

Durante os dias da fase fértil, o casal deve fazer abstinência sexual. Se desejam a gravidez, devem ter relações sexuais principalmente nesta fase. Este método fornece uma estimativa grosseira da fase fértil do ciclo. Entretanto, se a mulher tem ciclos menstruais regulares e deseja evitar gravidez, através deste método poderá reduzir significativamente a probabilidade de engravidar.
Não há contra-indicações absolutas para o uso deste método. No entanto, pacientes com ciclos menstruais irregulares, em que a diferença entre o ciclo mais curto e o ciclo mais longo for maior ou igual a dez dias não devem utilizá-lo. Uma desvantagem a ser considerada é a necessidade do longo período de observação necessário para seu início.

MÉTODO DA TEMPERATURA BASAL:

Este foi o primeiro método científico, baseado na abstinência periódica, a ser desenvolvido. A Temperatura Basal Corporal (TBC) é a temperatura do corpo em repouso, após período de sono e antes das atividades habituais, incluindo a alimentação. O método baseia-se no efeito termogênico da progesterona. Assim, após a ovulação, a temperatura basal pode aumentar de 0,2 a 0,6 graus célsius e permanecer elevada até o início da próxima menstruação.
Como a variação da temperatura é pequena, criaram-se termómetros especiais com escalas ampliadas e gráficos para registro das temperaturas diárias, de forma a facilitar o uso do método. A temperatura pode ser verificada por via oral (cinco minutos), por via retal (três minutos) ou por via vaginal (três minutos), devendo ser usado sempre o mesmo método e a temperatura medida no mesmo horário. A medida deve ser tomada antes de se levantar pela manhã, ainda na cama, depois de pelo menos cinco horas de sono ininterrupto e antes de comer, beber ou conversar longamente, pois qualquer dessas atividades pode elevar a Temperatura Basal Corporal .
A temperatura basal não permite identificar a fase infértil inicial e nem o início da fase fértil. A fase infértil pós-ovulatória começa depois que três temperaturas diárias consecutivas, todas elas acima do nível das seis temperaturas diárias consecutivas imediatamente anteriores, tiverem sido registradas (regra dos três por seis). Assim, o casal deve fazer abstinência sexual do início do sangramento menstrual até o terceiro dia após o início da elevação da temperatura. Podem ocorrer relações sexuais a partir desta data até o início da próxima menstruação.
Este método não é útil para os casais que desejam gravidez, pois a fase fértil só é determinada após o seu término.
Quando usado isoladamente, requer um longo período de abstinência em cada ciclo. Por outro lado, oferece um maior grau de confiança. Não é apropriado para mulheres com ciclos irregulares, nem para aquelas com períodos de sono irregular. Todas as situações que causam hipertermia, obviamente, interferem com a eficácia do método. Uma dificuldade adicional pode ser a necessidade da aquisição do termómetro.

MÉTODO DO MUCO CERVICAL OU BILLINGS:

O reconhecimento do valor de monitorização das mudanças no muco cervical para identificar a fase fértil do ciclo menstrual é mais recente do que a Temperatura Basal Corporal, tendo sido recomendada inicialmente em 1964 pelos Drs. John e Evelyn Billings, casal de médicos australianos. Este método baseia-se na observação das alterações cíclicas do muco cervical induzidas pelos estrogênios.
Durante o ciclo menstrual o muco varia em cor, quantidade e filância. Após a menstruação pode haver uma série de dias "secos". Durante esta fase o muco cervical consiste num espesso tampão no colo do útero, que não escorre. A mulher experimenta uma verdadeira sensação de secura na vulva. Sob a influência do nível crescente de estrogênio, o muco transforma-se primeiro numa substância espessa, viscosa e opaca que atinge o intróito vaginal e aí pode ser detectada, quer pela sensação que produz quer pela observação visual. A transformação continua até o muco se tornar fino, claro e escorregadio, dando início a uma sensação de umidade e lubrificação. O último dia deste tipo de muco marca o dia calculado para a ovulação, após a qual o muco volta a um estado denso e seco ou desaparece inteiramente. Os dias "úmidos" imediatamente anteriores e posteriores à ovulação correspondem ao período fértil. Nesta fase o muco cervical é abundante, claro, filante. Os dias "secos" pré e pós-menstruais, quando o muco cervical se torna espesso e escasso, referem-se às fases inférteis.
Para evitar gravidez, as relações sexuais podem ocorrer durante os dias secos a partir da menstruação. Recomenda-se que o ato sexual ocorra em dias secos alternados, para evitar o risco de sémen residual, mascarando o aparecimento do muco. Nem todas as mulheres têm dias secos após a menstruação; por vezes, o muco aparece imediatamente, e neste caso é necessária a abstinência durante esta fase. O casal deve fazer abstinência logo que o muco apareça, até três dias após o último dia de muco abundante.
A concomitância de leucorréias dificulta a avaliação do muco cervical.

MÉTODO SINTOTÉRMICO:

Baseia-se nas alterações observadas no muco cervical, na temperatura basal e em outros sinais e sintomas que podem acompanhar a ovulação (dor abdominal, sangramento inter-menstrual discreto e sensibilidade mamária).
Combinando a Temperatura Basal Corporal e as observações do muco tem-se as vantagens dos dois marcadores de ovulação, que deverão aumentara identificação do período fértil. O método do muco é usado para identificar a fase infértil pré-ovulatória, enquanto o início da fase infértil pós-ovulatória é determinada quer pelo muco quer pela Temperatura Basal Corporal. A regra para começar o ato sexual com o método do muco é o quarto dia depois do pico, e para o método da Temperatura Basal Corporal, depois de terem sido registradas três temperaturas diárias consecutivas, no nível mais alto.
Contudo, as duas coincidem, frequentemente, porque o pico tende a preceder a ovulação e o esquema de temperatura tende a segui-la. Quando há discrepância, deve-se seguir o último dia, para tornar o método sintotérmico tão eficaz quanto possível. Os outros sinais e sintomas, quando presentes, podem contribuir na identificação da ovulação.
A maior desvantagem do método sintotérmico é a de requerer mais tempo e motivação por parte da mulher no registro e interpretação de vários sinais e sintomas da ovulação.

EFICÁCIA:

A motivação é a essência de qualquer espécie de planejamento familiar bem-sucedido. Em nenhum caso isto é mais verdadeiro do que na prática do uso dos métodos comportamentais.
Em tese, todos os casais poderiam fazer uso dos métodos comportamentais. Entretanto, desde que a eficácia do método aumenta conforme a motivação e o nível de comunicação entre os parceiros, algumas características tornam o uso dos métodos comportamentais mais adequado para casais que:
 1.    Conseguem discutir questões relacionadas à atividade sexual.
 2.    Têm um relacionamento relativamente estável.
 3.    O ciclo menstrual da mulher é regular.
 4.    Conseguem e desejam observar, registrar e interpretar os sinais e sintomas de fertilidade.
 5.    Estão dispostos a fazer abstinência sexual durante a fase fértil, conforme indicado pelo método escolhido.

Muitos estudos têm demonstrado que a maioria das mulheres que querem aprender esses métodos é capaz de fazê-lo, independente de seu nível educacional.
O método da Temperatura Basal Corporal é o mais eficaz entre os métodos comportamentais, podendo ter uma taxa de gravidez não desejada de 6 por 100 mulheres-ano de uso, de acordo com o modelo de instrução e motivação do casal.
Com o método do muco cervical a frequência de gestações não desejadas é maior do que na Temperatura Basal Corporal e tem variado de cinco até 35 gravidezes em 100 mulheres por ano de uso. A Organização Mundial de Saúde estudou a eficácia deste método em cinco países: El Salvador, índia, Irlanda, Nova Zelândia e Filipinas. Para os casais que usaram corretamente o método a eficácia foi de 97%, o que significa que para cada 100 casais que usaram o método corretamente por 12 ciclos, ou um ano, somente três mulheres engravidaram. Neste mesmo estudo, 86% das mulheres que usaram o método incorretamente engravidaram no período de um ano. Assim, a eficácia do método em todos os casais estudados foi de 78%. Diversos outros estudos demonstraram resultados similares: dependendo do conhecimento e da motivação do casal, a eficácia do método variou entre 80% e 90%.
As taxas de gravidez com o método sintotérmico têm variado de 4 a 26 per 100 mulheres-ano. A eficácia não é muito diferente do método do muco cervical, e ambos os métodos requerem menos abstinência do que o método de Temperatura Basal Corporal. A abstinência mais longa do Temperatura Basal Corporal ajuda a contribuir para sua maior eficácia.

EFEITOS COLATERAIS:

Os períodos de abstinência podem, quando usados positivamente, aumentar mais do que diminuir uma relação. Em casais fortemente motivados, podem reforçar os laços entre eles. Todavia, em certos casos pode existir tensão psicológica na relação, especialmente se um parceiro estiver mais favoravelmente motivado do que o outro.
Existem evidências, a partir de estudos em animais, de que se ocorrer a fertilização envolvendo gametas envelhecidos haverá maior possibilidade de anomalias congénitas. Se a gravidez ocorrer como falha do uso correio dos métodos, haverá maior possibilidade do que a habitual de o espermatozóide ou o óvulo ter estado no trato genital feminino por um tempo anormalmente longo. A OMS (1993) não confirma este maior risco. Adicionalmente tem sido sugerido que, caso a fertilização seja tardia no ciclo menstrual, poderá haver maior probabilidade de gravidez ectópica e placenta prévia. Esta hipótese, embora sustentada por alguns dados observados, não tem sido comprovada.

SITUAÇÕES ESPECIAIS:

Em alguns períodos da vida, a mulher apresenta maior probabilidade de apresentar ciclos menstruais anovulatórios.
Na adolescência, os ciclos anovulatórios são frequentes, em virtude da imaturidade do eixo hipotálamo — hipófise —ovários, e as irregularidades menstruais resultantes dificultam o uso do método. Além disso, é mais difícil nesta fase aderir a longos períodos de abstinência.
Na fase pré-menopausa a ovulação torna-se irregular, e os ciclos irregulares podem dificultar a avaliação dos sinais e sintomas do período fértil, mesmo nas mulheres com treinamento no método. Ressalta-se, ainda, que nessa fase podem ocorrer gravidezes de maior risco, necessitando-se, então, de anticoncepção de alta eficácia.
No puerpério, o retorno da ovulação depende da ocorrência de aleitamento exclusivo e do tempo decorrido após o parto. Pode ser difícil interpretar os sinais e sintomas de fertilidade, com a necessidade de abstinência prolongada.

CONCLUSÕES:

Embora os cálculos teóricos sugiram que as técnicas de Planejamento Familiar Natural possam ser relativamente eficazes, na prática os índices de falha são elevados. O IMAP - Comité Médico Internacional da Federação Internacional de Planejamento Familiar (IPPF) (1983) não aconselha que tais métodos sejam considerados como uma alternativa igual a outros métodos de planejamento familiar mais eficazes. Não obstante, podem ser a única escolha para indivíduos e casais que não podem ou não querem usar outros métodos de regulação da fertilidade. Há também vários benefícios a serem obtidos a partir de um conhecimento do ciclo reprodutivo. Seu uso tem sido estimulado por grupos religiosos, e em nosso meio vale ressaltar que constituem os únicos métodos de planejamento familiar aceitos pela Igreja Católica.

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